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É interessante ver o tema “compliance” ganhando força no mundo corporativo. Associações e comitês se formando e se fortalecendo com estudos e análises de questões que impactam os negócios e a reputação das organizações no mundo inteiro; eventos que sugerem debates e discussões para trazer mais entendimento quanto ao que seria, podemos dizer, “fazer o certo e de forma certa”.

O assunto me encanta. Estudos de casos parecem deixar as coisas um pouco mais claras – é como dar forma ao intangível. E foi aí que me lembrei de uma história bastante simples; um case de integridade, diríamos.

Era uma vez… uma história real.

Na década de 70, um casal tinha 10 filhos. Nada era fácil; trabalhavam muito por uma remuneração baixa. Mas, nessa toada de trabalhar muito, o homem tornou-se ourives de uma importante joalheria.

Após anos, ele decidiu empreender e montou a sua própria “oficina de joias”. Poucos funcionários; a maioria, os próprios filhos. Sim, porque ele teve a brilhante ideia de ensinar uma profissão à prole e, ao mesmo tempo, garantir o sustento da grande família.

As filhas eram poupadas do trabalho na oficina enquanto fossem pequenas, mas amavam visitar o trabalho do pai e dos irmãos. Foi quando em uma dessas visitas, a filha mais nova viu que o pai, ao embrulhar em um papel de seda a joia de um cliente, ajuntou em um envelopinho de papel o pó do ouro do processo de limagem daquela peça, e colocou os dois itens juntos em um outro envelope.

Depois de algum tempo, apareceu o cliente, e o pai entregou o envelope com tudo dentro.

A menina não entendeu a razão de o pai dar ao cliente aquele pó. Afinal, era apenas o resto, um tiquinho de pó. E anos após anos viu isso acontecer na oficina: a devolução do pó do ouro. Até que passou a achar aquilo normal e já não estranhava mais.

Aos 14 anos, também passou a trabalhar no escritório da oficina com os irmãos, onde o pai já não estava.

Com o passar do tempo, foi entendendo como funcionava a indústria joalheira, os metais e pedras preciosas, e que existiam impérios no setor. Descobriu também que a prática do devolver o pó do ouro não era tão comum às joalherias e que seu pai, provavelmente, “perdeu” dinheiro fazendo aquilo anos e anos de sua vida.

Por muito tempo ela tentou entender a razão de seu pai agir daquela forma quando não era comum a todos do setor. Se a prática do mercado era ficar com o “resto” do ouro, porque o comportamento dele era diferente?

Recentemente, ela resolveu conversar com o pai – já com 83 anos – sobre o assunto. Ele continua muito simples e de forma também simples esclareceu que os clientes traziam peças para consertar ou ouro bruto para ele fazer joias, e o pó que vinha do processo de consertar ou fazer essas peças não era seu e, sim, do cliente. Seria como se ficasse com o troco de um pagamento.

E então ela compreendeu que a história de seu pai era a prática da frase:

“O certo é certo ainda que ninguém o faça, e o errado é errado ainda que todos o façam.”

Esse homem não faz ideia do que significa compliance e das discussões profundas atuais para entender o que é “fazer o certo e de forma certa”. Mas ele tem uma boa história e um bom exemplo de ética e integridade. Não havia nada errado aos olhos de muitos ele ficar com o pó do ouro; não havia lei ou regulamentação que obrigasse o pai a devolvê-lo e, porque não dizer, ninguém estava olhando. O que o obrigada eram seus princípios e valores, traduzidos na conduta ética e em sua cultura de integridade.

Dividindo essa história com um colega da área de compliance, ele bem lembrou da prática de desvio do “caixa pequeno” – aqueles pequenos valores a mais que a pessoa pede para acrescentar ao recibo do táxi ou da nota do almoço, por exemplo, para receber um dinheirinho a mais de reembolso. Isso também parece ser só o “pó”, irrelevante. Mas, relatos indicam que é essa a fraude de maior recorrência nas organizações. O caixa pequeno pode não levar a empresa à falência, mas serve para disseminar a cultura da relativização da fraude (pequena, média ou grande).

Voltando à história do “pó do ouro”, o pai não se importava com quanto de pó sobrava da joia, ele simplesmente devolvia o troco certo.

Para meu orgulho, esse pai é o meu, e essa história sempre será o meu melhor case de ética e integridade.

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